3 de jun. de 2010

CRUCI’FIXO



CRUCI’FIXO
(Absurdo diálogo de uma noite fria)
Thiers R >


Atrás das árvores
o corvo infame
remexia umbrais
a madrugada vadia
urdia em gritos fatais
assim ouvi os teus ais
suspiros d’angustia fina
febril lâmina de corte em riste
a escrivaninha, o pente, fios de cabelos soltos
a pena curvada n’alvura
branca e chorosa da paz
desencanta frente ao corvo
sentado no busto de Atena
olhava-te, nada mais
lá fora a ventania
buscava a chuva do dia trazida por temporais
o corvo d’olhar firme criava a atmosfera
na fenda da janela
fúnebre, como jamais
teu corpo vivo jazia na parede daquele dia
clamando por vermes banais
agourenta, a cena bebia
no meu temor sucumbia
por isto estremecia
ó mestre, a palavra tu me deste
mas esta ave
aberta em cruci’fixo
assombrava
a treva aparecia
vestida em roupa fina
uma ave de rapina
Allan Poe, desculpe-me
o clima, atormenta o poeta
de outros tempos
olhando a boca
pasmo
ainda ouço teus ais
vejo a treva
gemer gritos
perjúrios, olhares malditos
arrancar do frio inverno
todos os manuscritos
escravizado ao mito
sinto-me
quando te fito
lembro-me das tuas palavras
vestindo o roupão negro
encolho-me de medo
pálido, branco a repetir
no CD estes versos
assustadores que tais
n’ língua do demônio
sinto
isto não é sonho, é tormento
olhar o corvo preto
à sombra dos teus umbrais
em vestes transparentes
surgir com pés descalços
sob o chão do nada mais
murmurar por entre dentes
outra vez o
nunca mais



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